A história do Ceará passa, obrigatoriamente, pelo surgimento e fundação da famosa “Princesa do Norte”
Fortaleza. “A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós”. A frase da escritora inglesa Jane Austen talvez seja a melhor definição para o município de Sobral, localizado a 230 quilômetros da cidade de Fortaleza e considerada a mais importante da região da Zona Norte do Estado do Ceará.
Por um lado, Sobral é uma cidade que, por suas características aristocráticas e monumentos um tanto inusitados (como o Arco do Triunfo erigido, em 1953, pela passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima por Sobral) gera uma série de mitos sobre si e seus habitantes.
Importantes nomes
Mas, também, é um lugar que pode se orgulhar de ser o berço de nomes importantes como o escritor Domingos Olímpio, o Padre Ibiapina, a abolicionista Maria Tomásia Figueira Lima e, mais recentemente, o pintor Raimundo Cela, o humorista Renato Aragão, o músico Belchior e o político Cid Gomes, atual governador do Estado. Além disso, sediou eventos importantes como a constatação da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, por meio de um eclipse lunar observado na cidade, em 1919.
No entanto, a história de Sobral, que detém o singelo título de “Princesa do Norte”, é bem mais antiga e complexa. De acordo com o historiador e padre Francisco Sadoc de Araújo, a ocupação das terras compreendidas entre o Rio Acaraú e a Serra da Meruoca acompanha o típico processo de colonização do interior do Nordeste.
Conforme ele explica, “O Vale do Acaraú é a segunda maior bacia do Ceará, e naquele período era impossível ocupar o sertão sem ter a garantia de uma fonte de água próxima. A proximidade da serra era um atrativo a mais, já que de lá se podia obter frutos, o que já era feito pelos indígenas que ali viviam, predominantemente os Jês”.
Sesmarias
Segundo ele, a região foi dividida em sesmarias, concedidas a portugueses que deveriam ocupar as terras do Novo Mundo. “Teve o Manoel Goes, que perdeu parte das sesmarias por não tê-las ocupado. Ele trabalhava com a criação de gado e trouxe os parentes para cá. Mas foi Félix da Cunha Linhares, no fim do século XVII, que construiu a capela de São José da Mutuca, a primeira da região”. Sadoc de Araújo explica que capelas e igrejas eram outro importante fator de ocupação, já que era na porta dos templos que os juízes afixavam avisos importantes e, ainda, ao redor delas que os moradores formavam as primeiras aldeias.
Igreja Matriz
Por volta de 1720, o sesmeiro Antônio Rodrigues Magalhães formou, na região onde hoje fica Sobral, a Fazenda Caiçara. Fixado inicialmente em Suipé (município de São Gonçalo do Amarante), ele se instala posteriormente na fazenda e doa terreno para a construção de uma igreja em honra à Nossa Senhora da Conceição, que daria origem à Igreja Matriz de Sobral e cuja santa será, também, a padroeira da cidade.
Com o aumento do número de comunidades na Colônia, o rei português, Dom José I, no ano de 1760, lança um edital para que qualquer povoação que alcançasse 50 fogos pudesse se tornar uma vila. “Fogos eram as casas que possuíam cozinha e, portanto, chaminé, sinal de que a família estava ali fixada”, esclarece o historiador. Assim, no dia 5 de julho de 1773, a comunidade formada em torno da Fazenda Caiçara é elevada à vila, chamada de Vila Distinta e Real de Sobral.
“Sobral foi uma das poucas vilas que tinham esse título de Distinta, dado a locais onde só havia brancos”, recorda. Já o nome de Sobral significa abundância de sobreiros, uma árvore de Portugal de cujo tronco se extrai a cortiça, utilizada para engarrafar vinhos e outras bebidas. “Para mim o nome vem da região portuguesa de Sobral da Lagoa, em Portugal, como uma homenagem à terra de muitos dos colonizadores”.
Fidelíssima
Em 1841, Sobral recebe o título de Fidelíssima Cidade Januária do Acaraú, por ter dado apoio político ao então presidente da província do Ceará, José Martiniano de Alencar (pai do escritor José de Alencar), contra uma tentativa de deposição. Porém, três anos depois, a cidade volta a se chamar Sobral.
É a partir do século XIX que Sobral ganha destaque econômico e cultural. Além do proeminente comércio, a cidade fez parte da chamada “civilização do couro”, exportando o produto por meio do Porto de Camocim. É por conta desse comércio que é instalada a primeira estrada de ferro do Ceará. Na segunda metade do século XIX, o desenvolvimento de Sobral chegava a superar o de Fortaleza. “Era pelo Porto de Camocim que chegavam as novidades da Europa, e Sobral experimentava tudo isso primeiro”, comenta o historiador e padre Francisco Sadoc de Araújo.
As famílias mais abastadas tinham acesso à “última moda”: porcelanas, lustres, vestidos, livros, pianos, máquinas de costura, entre outros. Os sobrados eram construídos seguindo a arquitetura de Recife e São Luís, com janelões e azulejos. Em 1877, as corridas de cavalos à moda londrina têm lugar no Jockey Club de Sobral, depois chamada de Derby Club. “Apesar de não ser aceito, este foi o primeiro jockey club do Brasil”.
Atualmente, Sobral se destaca pelo comércio e pela indústria, que fornece produtos como cimento e calçados. O período áureo de abastança já se foi, mas a cidade mantém a aura de imponência e orgulho de sua trajetória e realizações. “Não é uma questão de bairrismo, e sim de orgulho. O sobralense tem essa coisa de sempre tentar ser melhor em tudo. Pode até não ser o melhor, mas se esforça para ser. Mas o fato é que a cidade sempre teve um papel hegemônico, não é problema de vaidade”, defende o historiador Sadoc de Araújo.
Karoline Viana (Diário do Nordeste 28/02/2010)