O Ceará é o estado do Brasil com o maior percentual de presos soltos das penitenciárias por conta de irregularidades nos processos judiciais ou por concessões de benefícios aos quais tinham direito. A constatação é do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após a realização de Mutirões Carcerários em todo o país, entre fevereiro de 2010 e dezembro de 2011.
Segundo números do CNJ, dos
6.501 processos criminais analisados no Estado, 19,8% resultaram em liberdades concedidas – ou seja,
1.287 presos soltos, entre condenados e provisórios. Os detentos foram libertados, pois atendiam a requisitos legais para extinção da pena ou para o recebimento de benefícios como livramento condicional e progressão para o regime aberto.
Nas 26 unidades da federação (exceção de Sergipe, que não participou do mutirão) foram revisados mais de 310 mil processos, dos quais quase 25 mil presidiários acabaram soltos. Em números absolutos de internos libertados, no entanto, o Ceará é o segundo estado do Nordeste, perdendo apenas para Pernambuco, onde 2.465 presos foram libertados após análise de 18.315 processos.
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(ARTE: Luana Araújo)
De acordo com o titular da 1ª Vara de Execuções Penais do Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, juiz Luiz Bessa Neto, essas irregularidades foram principalmente em relação aos detentos provisórios. “Foram presos de processos cujos prazos para acusação foram ultrapassados e, portanto, foram liberados para aguardar julgamento em liberdade”, explica.
Ele avalia que a principal falha atualmente é de infraestrutura. “Hoje trabalhamos com estrutura mínima e ineficiente, que não cuida nem serve para atender as demandas”, afirma. Para ele, o maior problema é a falta de pessoas qualificadas para trabalhar. “Como com todo humano, também pode haver erros no nosso trabalho”, acrescenta.
“Judiciário limitado”
Na avaliação do membro do Conselho Penitenciário do Ceará e advogado criminalista Leandro Vasques, os números do CNJ são resultado de um contingente de presos desproporcional ao número de juízes, defensores públicos e de servidores em geral, que “resulta em erros judiciários”. Para ele, o Poder Judiciário é uma “máquina limitada, que está com a estrutura comprometida”.
Apesar das críticas, o advogado reconhece que o Ceará vem se destacando nos investimentos no Sistema Penitenciário, “mas que muito ainda deve ser feito”. “Hoje esses Mutirões como o do CNJ são mais confiáveis. Antigamente, eram chamados de ‘mentirões’, porque só fingiam que revisavam os processos, gerando expectativa nos presos”, acrescenta.
Diagnóstico das unidades
Além da libertação de presos, o Mutirão Carcerário do CNJ apresentou um diagnóstico do sistema prisional brasileiro. Os problemas identificados vão desde a superlotação das unidades penitenciárias até a situações de tortura, péssimas condições de higiene, precariedade física das instalações, falta de assistência médica e de acesso dos presos ao trabalho ou aos estudos.
No Ceará, o relatório do CNJ apresentou algumas recomendações, como a instalação de uma Câmara Criminal e de duas novas Varas de Execução Penal, que já estão funcionando; aumento do número de agentes penitenciários e de defensores públicos; construção de novas unidades prisionais; e oferecimento de cursos profissionalizantes e de educação regular para os detentos.
Gestão de vagas
De acordo com a Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado (Sejus), no contexto de recomendações feitas pelo CNJ, foi criada a Comissão de Avaliação de Transferência e Gestão de Vagas (CATVA). Segundo a presidente da Comissão, Socorro Matias, ela funciona desde 30 de julho deste ano, com o objetivo de fazer um mapeamento dos presos.
“A CATVA foi instituída para que fosse avaliado o destino do preso ao ingressar no Sistema Penitenciário. Nós avaliamos se ele é condenado ou provisório, qual o regime no qual foi condenado, o nível de periculosidade, se é réu primário ou não. Tudo isso para que vá para o local certo, onde possa ser trabalhada a reinserção social dele” , explica.
Conforme Socorro, a Comissão também trabalha na transferência dos internos que já estavam presos. “Junto ao nível de periculosidade, avaliamos se o detento faz parte de alguma facção criminosa, para que possamos separar integrantes de organizações iguais”. A presidente afirma que o objetivo é minimizar ações criminosas dentro das unidades penitenciárias.
Mutirão Carcerário
O programa Mutirão Carcerário do CNJ foi criado em agosto de 2008, com o objetivo de verificar a tramitação de processos criminais e as condições de encarceramento nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Nos primeiros anos, já foram analisados cerca de 415 mil processos, que resultaram na libertação de mais de 36 mil detentos e na concessão de 76 mil benefícios.
No Ceará, o último mutirão foi realizado entre os dias 10 de fevereiro e 18 de março de 2011. Na ocasião, foram visitadas seis unidades penitenciárias – três presídios, duas casas de custódia e uma colônica para presos em regimes semiabertos -, em Fortaleza e em municípios da Região Metropolitana, como Itaitinga, Aquiraz, Caucaia e Maranguape.